Entrevista de Jean-Pierre Stroobants, do Le Monde.
O debate sobre Schengen foi desencadeado pelos acontecimentos da “primavera árabe”. A esse respeito, a senhora acredita que a Europa perdeu uma “oportunidade histórica”. Por quê?
Foi um grande acontecimento o fato de que, em nossa vizinhança imediata, o povo tenha derrubado pacificamente ditadores e pedido por liberdades e direitos humanos. E nós, o que dissemos às pessoas que se inspiravam em nossos valores? Que estávamos em crise e que tínhamos medo de “ondas bíblicas” de imigrantes... Note que somente 4% daqueles que fugiram da Líbia se dirigiram para a Europa! Nossa atitude levou a uma deterioração de nossas relações com esses países e criou uma desconfiança que só agora começa a ser superada.
A senhora declarou recentemente que a imigração não era, para a Europa, “uma ameaça, mas sim uma oportunidade” e até mesmo “um fator de crescimento”. Um discurso que surpreende...
Certamente, mas eu o mantenho. A imigração será necessária, considerando sobretudo a evolução da demografia na maior parte de nossos países. Estima-se que, em 2030, sem uma nova imigração, a população europeia em idade de trabalhar terá diminuído 12%. Presidentes de empresas têm me contado sobre suas dificuldades em recrutar gente qualificada, mesmo no auge do desemprego.
Faltam engenheiros na Alemanha; até 2020, o setor europeu da saúde deverá ter um déficit de 2 milhões de pessoas. Só que um relatório da OCDE acaba de mostrar que muitas das pessoas que podem emigrar são atraídas menos pela Europa e mais pelo Brasil, pelo Canadá ou pela Austrália, ou até Angola e Moçambique. Com o tempo, isso poderá nos causar grandes dificuldades. A mesma OCDE mostra que a pressão migratória sobre a Europa tem diminuído. Mas, é claro, esse pode ser um efeito temporário da crise pela qual estamos passando.
Então, é necessário educar o público sobre essa “nova imigração”, mas evidentemente, é uma proposta difícil de manter...
Sim, mas a realidade está aí. O papel da Comissão de Bruxelas também é incentivar os políticos a considerá-la. Olhar os problemas a longo prazo e se colocar acima das contingências nacionais. Além disso, os meios acadêmicos consideram isso que eu digo um perfeito lugar-comum...
A ascensão das forças populistas e xenófobas, inclusive no Norte da Europa de onde a senhora vem, impede que entendam sua mensagem. Como lidar com isso?
É verdade que Geert Wilders, por exemplo, agora me transformou em inimiga número um da Holanda... Eu defendo fundamentalmente uma verdadeira divisão do peso entre europeus em matéria de imigração e de asilo. Digo que a integração é, na maioria das cidades, um fracasso, e que a guetificação é uma realidade de responsabilidade dos políticos, pois eles não souberam agir com o devido vigor. Também peço por uma melhor utilização da mão de obra existente. Então, não se trata de escancarar as portas, mas de se pensar sobre a maneira de facilitar uma nova imigração legal - o que também é uma maneira de combater a imigração ilegal.
Do outro lado do espectro político, suspeitam que a senhora está organizando uma fuga de cérebros, o “brain drain”, e privando certos países de seus melhores elementos...
É uma questão primordial. Porém, note que na Tunísia há muitos enfermeiros desempregados: assim, por que negar que eles venham, por um período limitado, para a França ou outros lugares? A Índia e a China têm um excedente de engenheiros que, depois de receber um treinamento complementar na Europa, poderiam ser muito úteis aos seus países. Não é o “brain drain” que se deve organizar, mas sim o “brain gain” [ganho de cérebros].
Como convencer tanto os dirigentes quanto o cidadão comum de que, muitas vezes, veem erroneamente a imigração como uma ameaça?
Tenho a impressão de que o cidadão é muitas vezes mais aberto que certos políticos, algo que os estudos confirmam. Ele pede por mais informações e tem a impressão de que certas correntes manipulam a realidade. Os mesmos estudos confirmam que a imigração é muitas vezes um tema mais importante para os meios políticos que para os eleitores. Em meus encontros com ministros, às vezes eles me contam que concordam comigo mas não podem dizê-lo em voz alta... As imagens de navios de clandestinos chegando a Lampedusa aparentemente são mais fortes que dados objetivos.
A senhora tinha muita esperança em uma mudança no governo da França. Só que, durante seu primeiro Conselho Europeu, em Luxemburgo, em junho, Manuel Valls aprovou a maior parte das posições defendidas por Claude Guéant sobre a necessidade de se restabelecerem os controles nas fronteiras. Isso a decepcionou?
A questão central é determinar precisamente as situações “extraordinárias” que possam motivar uma volta dos controles. Todos sabem que não concordo com o último acordo feito até o momento, e que ainda peço por uma supervisão das situações de cada nação pela Comissão - em colaboração com os países-membros, claro – para que essa consideração seja realmente independente e transparente. A decisão do Conselho não foi formalizada, o Parlamento não votou. Logo, resta uma possibilidade de reiniciar o debate em setembro.
Como a senhora vê a posição de Valls?
Sua situação era muito difícil, com um Conselho Europeu alguns dias depois de assumir o Ministério do Interior. Estou contente por reencontrá-lo.
A senhora espera fazê-lo mudar de ideia?
Veremos.
Com quais argumentos?
Veremos.
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