Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira
até novembro de 2011
Adital
Para nós
cristãos, festejar a Santíssima Trindade é celebrar a verdade maior que Deus se
dignou revelar. Quem poderia imaginar que a realidade do Deus Único e
Verdadeiro comportasse em si mesma um mistério de plena comunhão, no
relacionamento mútuo e dinâmico entre Três Pessoas com uma "mesma natureza
e igual dignidade”!
Ao mesmo tempo
que acolhemos a revelação de um Deus que se mostra Uno e Trino, nos damos conta
que esta revelação é para nos garantir que somos acolhidos em seu mistério,
pois ele nos insere em sua dinâmica de mútuo relacionamento. Deus se revelou,
não para exibir sua realidade que nos ultrapassa de longe, mas para nos
associar ao seu próprio mistério de amor.
Como os teólogos
nos ajudam a compreender, Deus foi se revelando a si mesmo, na medida em que ia
realizando nossa salvação, nos envolvendo em sua realidade, tornando-nos
participantes do seu mistério, por pura bondade sua, e pela exuberância de sua
misericórdia.
Deus se revelou,
portanto, não para exibir seus predicados divinos, ou para satisfazer nossa
curiosidade, e permanecermos alheios ao seu mistério. Mas ao contrário, ele se
mostrou para nos envolver em sua vida, e participarmos do seu mistério.
Dentre as
grandes religiões, o cristianismo é a única que professa a fé na Trindade de Pessoas
existentes num único Deus. Este é nosso privilégio de cristãos. Ao mesmo tempo,
este privilégio nos incumbe de uma grande missão: testemunhar que Deus nos
envolve em sua realidade, de tal modo que nos sentimos atraídos pelo Pai,
identificados com o Filho, e animados pelo seu Espírito de amor.
Assim como a
revelação foi se desdobrando na medida em que Deus ia operando nossa salvação,
assim nossa fé na Trindade nos atribui a obrigação missionária de mostrar a
todos, quanto o mistério do Deus Uno e Trino ilumina nossa existência, e nos
motiva a sintonizar sempre mais nossa vida com as verdades que Ele nos revelou
a respeito de si mesmo.
Tempos atrás,
participando de um simpósio sobre migrações, tive a oportunidade de conhecer um
cineasta árabe, muito respeitoso de nossa fé cristã, mas muçulmano convicto,
adepto da fé herdada de Maomé.
Com a serenidade
de quem sintetizava sua fé na breve e densa fórmula do seu credo muçulmano:
"Deus é Deus e Maomé é seu profeta”, ele se permitia nos interpelar,
alegando que nossa fé na divindade de Cristo se constitui num irremediável
equívoco que redunda na negação da unicidade de Deus, que a fé muçulmana se
acha no dever de enfatizar e testemunhar ao mundo inteiro.
Diante desta
interpelação, percebemos o tamanho do desafio, de promover o diálogo
inter-religioso, que o Concílio Vaticano II recomendou no precioso documento
"Nostra Aetate”, que ainda permanece quase desconhecido.
A grande
novidade deste documento é reconhecer que todas as religiões contêm elementos
de verdade, que precisam ser reconhecidos, e que servem de bom pretexto para um
diálogo aberto e respeitoso, no relacionamento inter-religioso.
"A Igreja
Católica nada rejeita do que há de verdadeiro e santo nestas religiões”, diz o
documento do Concílio.
A busca do Deus
verdadeiro é suscitada pelo Espírito de Deus em todas as religiões. É
significativo que São Paulo foi buscar "nos vossos poetas” -referindo-se
aos gregos que estavam na acrópole de Atenas– a surpreendente afirmação a
respeito de Deus: "nele nos movemos, existimos e somos”, e acrescenta:
"como disseram alguns dentre os vossos poetas”.
Portanto, se nós
cristãos somos agora intimados a cultivar um diálogo construtivo com membros de
outras religiões, não será simplesmente para ensinar a eles. Mas também para
aprender. Como fez São Paulo no areópago de Atenas.
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