10 novembre 2012

Entrevista com Ir. Fátima Barboza

Em sua passagem por São Paulo (Brasil), Ir. Fátima Barboza, missionária em Angola, desde 1999, nos conta um pouco de sua trajetória e do momento atual que o País vive.

EF.: Como você descobriu sua vocação missionária?
Desde que entrei na Congregação, ainda no aspirantado, já sentia o desejo de partir para outras terras, de conhecer e levar o Evangelho a outras culturas. Ir. Maria Rita de Moraes Périllier (in memoriam) foi minha grande incentivadora, porém,  nunca disse que seria fácil, mas, também, nunca me desanimou. Um dia, deu-me uma sua foto, em Angola, com várias crianças negras..., aquela imagem foi, para mim, um apelo.

EF.: Quando você sentiu que era a hora de partir?
Toda decisão é difícil e exige muita coragem. Deixar meu País, minha família, meus amigos e passar anos longe não é fácil, mas, um dia eu disse, para mim mesma, que precisava experimentar, conhecer. Então, logo após meus votos perpétuos, meu pedido foi aceito e fui para Roma. Fiquei um ano em preparação na Casa Geral. Sabia que iria para uma missão, mas não sabia para onde. Há Irmãs que explicitam onde desejam ir, mas, para mim foi uma surpresa, pois, eu esperava o que fosse destinado pela Madre e pelo Conselho.
As Irmãs de Angola estavam completando 16 anos de missão no País e fui recebida como um presente. Atualmente, se preparam para celebração dos 30 anos de presença.

EF.: Quando você chegou a Angola, o País ainda estava em guerra. Onde foi morar, sentiu medo?
É verdade, o País ainda estava em guerra, todo devastado. Tudo o que havia sido construído pelos portugueses estava por terra. O interior era repleto de estradas com minas de bombas explosivas enterradas e muita gente morreu nesses caminhos: salesianos, missionários e o povo em geral. Muita gente também foi mutilada e hoje vive rastejando, triste realidade!
Minha Comunidade e eu, pisamos em uma mina, mas, o dispositivo somente fez um ruído e não acionou a bomba, pois, estava enferrujada...era dia 24 de agosto, Nossa Senhora Auxiliadora estava conosco!
Nunca tive medo da guerra. Assim que cheguei, fui morar em Luanda, a capital, onde fiquei por dois anos e meio. Trabalhei num bairro chamado Lixeira, pois foi construído sobre o lixo, um aterro sanitário ainda da época de Angola colônia. É um bairro extremamente pobre onde as pessoas apenas dormem em suas casas e passam, a maioria do dia do lado de fora da casa, a comida é feita do lado de fora, muitas crianças moram nas ruas. As necessidades são muitas, o índice de analfabetismo é grande. O bairro é próximo da praia e os contrastes, desde a paisagem, são muitos. Um bairro formado por muitos imigrantes. A Capital sempre foi vista como “mais protegida”. As pessoas deixaram os campos, onde as plantações foram devastadas pela guerra.

EF.: O que mais falta para a população de Angola?
Falta tudo. Falta trabalho, escola, infraestrutura, principalmente. Falta o cuidado com os “corações” que foram afetados pela guerra. A população sofre com a falta de saneamento básico, há esgotos abertos, falta de água canalizada. A água é vendida e chega à população em caminhões pipas. As pessoas a compram em tambores ou em baldes. Quem mora perto de rios tem a possibilidade de abastecer-se diretamente. A iluminação também é precária e quando falta energia, não é como aqui, em São Paulo, apenas por algumas horas, é por dias e até meses. Falta o básico, o primordial.
Por conta de tanta precariedade, o povo sofre com doenças simples de serem combatidas, mas que fazem muitas vítimas. Antes de viajar ao Brasil, eu mesma tive uma forte febre tifoide.
Onde eu moro atualmente, um povoado em Kalulo, construíram um belo hospital, mas faltam técnicos, os médicos são, na maioria, cubanos. Infelizmente, o hospital não está usando os recursos que possui.

EF.: Conte-nos sobre a presença salesiana em Angola
Nós, Salesianas, estamos presentes em seis províncias de Angola e nossos trabalhos são, em geral, em Escolas e, também, nas Pastorais.
As Escolas são conveniadas com o governo, sendo que o governo paga os salários dos professores e funcionários e nós arcamos com as demais despesas.
Para as despesas, mandamos constantemente projetos para ONGs internacionais, principalmente europeias.
As nossas presenças, em geral, são em parceria com os Salesianos. Procuramos trabalhar como Família Salesiana: Irmãs, Padres ou Voluntários leigos vindos de toda parte do mundo e, também, com o povo do local.

EF.: Uma grande preocupação...
Precisamos investir muito na formação dos professores, a demanda de alunos é tão grande, que um jovem que concluiu o Ensino Fundamental, acaba se tornando professor. Estudar no Ensino Superior também é um desafio, existem os cursos à distância, mas, nem todos podem pagar, ou a possibilidade de viajar de duas a cinco horas de distância para frequentar uma Faculdade.
Ao mesmo tempo, em que temos fila de espera de crianças e jovens que querem estudar na missão, também, temos a colaboração de muitos jovens que chegam do mundo todo, querendo fazer uma experiência missionária e de doação, isso é muito comovente. Hoje temos, além de jovens de várias nações, uma brasileira, ex-aluna do Colégio do Carmo, de Guaratinguetá. Este desejo, mostra a gratuidade do jovem e também  de casais jovens, além de famílias inteiras, que chegam de outros países para viverem dois ou três anos de doação. É um fenômeno!
Sabemos que a Educação é o caminho seguro para afastar as crianças da marginalidade, da prostituição, do trabalho infantil. Sabemos que quando uma criança está em nossas Escolas ou Obras, ela está sendo alimentada em todos os sentidos e, isso, nos dá a certeza de que estamos contribuindo para a melhoria e o crescimento do povo angolano.

EF.: Muitas empresas já reconhecem o potencial do País e também suas riquezas naturais. Isso gera um contraste no país?
São muitos os contrates.  Ao mesmo tempo em que falta água encanada, Luanda, por exemplo, está lotada de carros, carros novos, bonitos e importados; o trânsito é um caos, além das ruas esburacadas e precárias. Mas, grandes empresas estão lá, como a Odebrecht, a Camargo Correa, a Queiroz Galvão, a Andrade Gutierrez... E prédios novos são levantados a cada instante.
Na aldeia, as pessoas vivem sem energia elétrica, as casas são semelhantes às de pau a pique do Brasil.
Contudo, Angola é um país rico em petróleo e diamantes, dizem que a riqueza do país seria capaz de dar a cada angolano uma casa digna para viver.

EF.: Uma mensagem para a Inspetoria e todas as pessoas que se sintam tocadas pela realidade angolana.
Agradeço a cada Irmã que, com carinho, reza por nós. Apesar de nossa pobreza, a Inspetoria Santa Catarina de Sena continua generosa. Atualmente, seremos quatro Irmãs de São Paulo, na Visitadoria de Angola, com a presença animada de Irmã Jandira  Rodrigues de Camargo. Em Angola, somos somente 27 Irmãs. Nossas Comunidades são compostas com membros dos quatro Continentes.  Realmente, “Mornese, já não é mais um lugar”, portanto, “é preciso ser livre para pregar” o Evangelho, como o foram e nos ensinam nossos Santos. Neste mês missionário, coloquemos, no Coração de Jesus, todas as necessidades de nossa Inspetoria de São Paulo, sobretudo, a de santas e fiéis vocações. Obrigada pelo carinho que sempre dispensam a cada uma de nós.

Ir. Fátima Barboza
Fonte: Em Família (informativo da Inspetoria Santa Catarina de Sena – BSP)

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